Relações humanas e científicas num acelerador de partículas

Fachada do prédio do Acelerador de Partículas. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Pesquisa desenvolvida no PIEC-USP aponta o ambiente dos laboratórios científicos como local para Educação em Ciências.

20 de maio de 2020 | 15:00

Daniel Trugillo Martins Fontes é Licenciado em Física pelo IFUSP e ao longo da graduação foi bolsista durante 2 anos do PIBID, esse foi seu primeiro contato sério com o planejamento e aplicação de propostas ensino de física. Agora na pós-graduação seu interesse de pesquisa está relacionado com o ensino de eletromagnetismo a partir de uma perspectiva do ensino desenvolvimental. Atualmente faz parte do grupo de pesquisa ECCo (Educação em Ciências e Complexidades) e também compõe o Grupo de Divulgação Científica ViaSaber. Como hobby escreve na rede Skoob resenhas de livros sobre filosofia, educação, ciência e outros assuntos que sempre regam as conversas de bar 🙂

Pense rápido: qual é a invenção tecnológica mais impressionante dos últimos 50 anos? Foguetes supersônicos? Internet? Sequenciamento do genoma humano? Tecnologia das criptomoedas? Esses são bons candidatos. Mas você chegou a pensar num acelerador de partículas? 

O maior acelerador de partículas do mundo é conhecido por LHC (Grande Colisor de Hádrons, do inglês Large Hadron Collider) e fica no subterrâneo, com uma circunferência de 27 km entre a fronteira da França e da Suíça. Incrível!. Mas você sabia que temos aceleradores de partículas também no Brasil, sendo um no Instituto de Física da USP? Imagine se não seria muito interessante ver um de perto, conversar com os técnicos e cientistas que lá trabalham? Pois é, essa foi a temática da dissertação da Graciella Watanabe, que escreveu o trabalho “Construindo subsídios para a promoção da educação científica em visitas a laboratórios de pesquisa” sob orientação da professora Maria Regina Kawamura. 

Watanabe reconhecia o potencial pedagógico que os laboratórios científicos podem oferecer uma vez que realizou iniciação científica a respeito deste tema. Com isso, na dissertação, a pesquisadora investigou quais assuntos referentes às práticas científicas poderiam ser abordados com os estudantes da escola básica durante visitas ao laboratório Pelletron (nome do acelerador de partículas no IFUSP).

Reconhecendo as visitas como mais do que apenas uma atividade recreativa

Para guiar sua investigação, Watanabe utilizou de referenciais teóricos da Alfabetização Científica e do movimento CTS (ciência-tecnologia-sociedade) para subsidiar a análise dos dados. Do ponto de vista metodológico, Watanabe utilizou de filmagens com câmera de vídeo, grupo focal (formato que ocupa posição intermediária entre a observação participante e as entrevistas em profundidade) composto por dois 2 cientistas que trabalham no Pelletron: um moderador, responsável por organizar as falas dos presentes (alunos, professores, cientistas) e um observador, que gravou o vídeo visando capturar momentos e reações dos participantes. Também aplicou questionários de perguntas abertas aos estudantes após a visita ao laboratório, além de entrevistas semi-estruturadas com os cientistas do laboratório.

Desse modo, a pesquisadora foi capaz de montar um panorama amplo, a partir de diferentes pontos de vista: dos estudantes, dos professores que os acompanhavam, dos técnicos e dos cientistas que trabalham no laboratório. Watanabe se apropriou dessas diferentes leituras para compreender as potencialidades das visitas em laboratórios científicos como instrumento do fazer científico e como componente social de uma comunidade.

Seus resultados incluem, do ponto de vista dos que promovem a visita guiada, uma preocupação na didatização dos processos vinculados às questões técnicas e à pesquisa do laboratório e, com isso, a dificuldade de adaptar a linguagem para o público geral. Saberes históricos relacionados à instituição ou aos personagens que construíram o acelerador foram pouco reconhecidos durante as visitas. Em outras palavras, o foco das visitas acabou sendo apenas na constituição atual do laboratório e o que ele produz hoje. Assim, o sentido da construção de um acelerador de partículas para o desenvolvimento da sociedade é deixado de lado em favor de um olhar imediatista dos conteúdos. 

A pesquisadora também observou a ocorrência de muita ênfase nos conteúdos de Física ao longo das vistas, e bastante destaque para a dimensão teórica da ciência. Isto é, embora os alunos estivessem visitando um laboratório, pouca atenção foi dada, por parte dos cientistas que conduziram a visita, aos conhecimentos de caráter experimental e técnico. 

A pesquisa de Watanabe nos mostra que a dimensão do conhecer ciência pode ser ampliada ao se enfatizar outros aspectos do fazer científico (relacionados à história, cultura e sociedade, por exemplo) que não os conceitos e características da tecnologia usualmente abordados pelos pesquisadores do laboratório. Assim, as propostas de divulgação não precisam ser direcionadas apenas ao conhecimento produzido, pesquisado ou associado ao saber técnico, mas poderiam promover uma ampliação sobre o sentido de conhecer ciência, passando a incluir a natureza e as formas do fazer da ciência. 

De maneira geral, o laboratório científico é reflexo de diversos aspectos da cultura científica: financiamentos, ética na ciência, relações sociais, interesses políticos, entre muitos outros. Sabendo disso, podemos – e devemos – construir debates acerca destes temas que estão fora do contexto escolar e que envolvem reflexões sobre o que significa “fazer ciência?”. Essas dimensões devem ser priorizadas nesses espaços, pois enfatizam situações mais amplas de aprendizagem que não se focalizam apenas na aquisição de conteúdos, em geral atribuição idealizada para a escola.

Ficou interessado? Leia a pesquisa original:

TESE

WATANABE, Graciella. Construindo subsídios para a promoção da educação científica em visitas a laboratórios de pesquisa. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências). Instituto de Física, Instituto de Química, Faculdade de Educação, Instituto de Biociências. Universidade de São Paulo, 2012. Disponível:<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/81/81131/tde-31052012-095552/publico/Graciella_Watanabe.pdf> Acessado em: 21 abril 2020.