Opinião Consultiva sobre as obrigações dos Estados em relação às Mudanças Climáticas: As contribuições do Brasil apresentadas à Corte Internacional de Justiça

International Court of Justice Palace

A posição brasileira sobre as obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas, apresentada em declarações escritas à Corte Internacional de Justiça em março e agosto de 2024, respectivamente, fundamentam-se na reiteração do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada (CBDR-RC). Para o Brasil, esse princípio é juridicamente vinculante e constitui a base estrutural do regime climático internacional, abrangendo a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. Apesar das mudanças na forma de implementação ao longo do tempo, o Brasil argumenta que a essência do princípio permanece intacta, sendo indispensável para a interpretação e aplicação desses tratados.

Interessante ressaltar que a posição brasileira parte de perspectiva sistêmica ao considerar a necessidade de interpretar o regime jurídico das mudanças climáticas de forma ancorada às normas fundamentais do Direito Internacional, como o dever de não causar danos a outros Estados, e reforça que os três tratados climáticos formam um sistema integrado e interdependente. Dessa forma, o Brasil rejeita a ideia de que o Acordo de Paris tenha substituído o Protocolo de Quioto ou a UNFCCC, defendendo que todos permanecem em vigor e se
complementam.                                                                                                                     

Um ponto central da argumentação brasileira é o reconhecimento e a mensuração das responsabilidades históricas dos Estados pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Para isso, o Brasil propõe uma metodologia baseada na compilação das emissões históricas de cada país em períodos definidos e na avaliação de seus impactos no aumento da temperatura global, com o objetivo de atribuir responsabilidades proporcionais. Essa abordagem busca vincular as obrigações de redução de emissões à realidade histórica e prevê a possibilidade de mecanismos compensatórios, como a contribuição financeira para fundos geridos pela UNFCCC ou a negociação de créditos de carbono. Embora o estado também reconheça que ainda não há consenso internacional sobre essa metodologia, o destaca o fato de que os avanços científicos já permitem aferir com precisão as disparidades históricas de emissões entre os países.                   

Sobre esse aspecto, o Brasil também enfatiza que o vínculo entre ações ou omissões e danos climáticos decorre de um processo cumulativo e histórico, no qual os países desenvolvidos “poluíram para alcançar o desenvolvimento” e obtiveram altos padrões de vida, enquanto os países em desenvolvimento, hoje, arcam com custos desproporcionais para enfrentar os impactos das mudanças climáticas, comprometendo frequentemente seu progresso econômico e social. 

Outro aspecto destacado pelo Brasil é a necessidade de maior cooperação internacional no enfrentamento das mudanças climáticas. Esse compromisso recai com maior intensidade sobre os países desenvolvidos, que devem liderar os esforços globais, tanto na redução de emissões quanto no fornecimento de apoio técnico e financeiro aos países em desenvolvimento. Essas obrigações, derivadas diretamente do princípio do CBDR-RC, incluem ações de due diligence, que, segundo entendimento recente do Tribunal Internacional para o Direito do Mar (ITLOS), devem ser rigorosas e proporcionais às capacidades e aos níveis de desenvolvimento de cada Estado. 

Além disso, o Brasil também atribui valor jurídico significativo para as decisões das Conferências das Partes (COPs),  e reforça a necessidade de mobilizar recursos financeiros e o cumprimento das obrigações climáticas, mesmo diante de desafios como a não ratificação do Protocolo de Quioto pelos Estados Unidos e sua denúncia pelo Canadá. Por fim, o Brasil expressa preocupação com práticas comerciais e seus impactos para as mudanças climáticas, denunciando a adoção de medidas discriminatórias por países desenvolvidos sob o pretexto de políticas climáticas. 

Tais práticas, segundo o Brasil, violam os princípios do comércio justo estabelecidos no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e contrariam os objetivos da UNFCCC, demonstrando que as medidas ambientais devem ser compatíveis com as normas internacionais de comércio. Além disso, o Brasil chama atenção para os bloqueios sistemáticos à discussão da quantificação da contribuição histórica dos Estados para as mudanças climáticas, ocorridos em 1997, 2013 e 2023, e critica a pouca energia despendida pelos Estados desenvolvidos na mitigação dos impactos climáticos, contrastada com os robustos investimentos em alianças militares, como a OTAN. 

Em sua conclusão, o Brasil reafirma que o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, é o pilar fundamental do regime jurídico climático internacional, devendo orientar a implementação e a interpretação de suas normas. O país sustenta que o direito internacional, incluindo os tratados da UNFCCC, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, estabelece obrigações legais claras para que todos os Estados trabalhem juntos, de maneira equitativa, para limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Essas obrigações incluem cooperação internacional, apoio financeiro e reparação de danos, além de abrirem caminho para transições justas rumo a sociedades de baixo carbono e resilientes ao clima. 

Por fim, o Brasil conclui que a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos deve ser reconhecida, assim como a necessidade de uma resposta global solidária e justa para enfrentar os desafios climáticos e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

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