A OMC Balzaquiana

A Organização Mundial do Comércio (OMC) fez 30 anos, falamos da “mulher de 30 anos” na literatura, envolvendo identidade, amadurecimento, pressões sociais, afetividade, independência e transformação, muitas vezes ela aparece como uma figura em transição — entre expectativas externas e descobertas internas. A mais icônica é a de Balzac, marcada pela experiência e dor, mas também como alguém com novos desejos e consciência de si, bem assim está a OMC.
O Acordo de Marrakesh, que estabeleceu a OMC, foi assinado por 123 países em 15 de abril de 1994, dando origem oficialmente à OMC em 1º de janeiro de 1995. Ao longo dos últimos 30 anos, a OMC contribuiu para uma grande expansão do comércio global, com o objetivo de elevar os padrões de vida, aumentar o emprego e promover o desenvolvimento sustentável.
Durante a 13ª Conferência Ministerial da OMC (MC13), realizada em Abu Dhabi em fevereiro de 2024, os membros reafirmaram seu compromisso com a reforma do sistema multilateral de comércio e adotaram dez decisões multilaterais. Dentre os temas centrais estiveram a facilitação de investimentos para o desenvolvimento, a regulação de serviços, o comércio eletrônico, a sustentabilidade ambiental e a inclusão socioeconômica. Foi destacada a entrada em vigor de novas disciplinas sobre regulação doméstica de serviços, o que deve reduzir os custos do comércio de serviços em mais de 125 bilhões de dólares.
Decisão Multilateral | Objetivo Principal | Implicações para Países Desenvolvidos | Implicações para Países em Desenvolvimento / LDCs |
Comércio Eletrônico | Prorrogar moratória sobre tarifas digitais e reforçar programa de trabalho | Mantém previsibilidade nas operações digitais globais | Garante tempo e apoio para adaptação ao comércio digital |
Tratamento Especial e Diferenciado (S&DT) | Melhorar a implementação dessas disposições nos acordos SPS e TBT | Reforça cooperação regulatória | Aumenta apoio técnico e tempo para cumprimento de normas sanitárias e técnicas |
Prorrogação da Moratória TRIPS – Reclamações “não violação” | Evitar disputas baseadas em expectativa de benefício sem violação explícita | Reduz incertezas em temas de propriedade intelectual | Evita possíveis sanções e disputas complexas no setor de PI |
Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) | Reafirmar importância da cooperação regulatória e do uso de ferramentas digitais | Melhora eficiência nos fluxos comerciais | Facilita adoção de normas técnicas com apoio externo |
Facilitação de Investimentos para o Desenvolvimento | Finalizar acordo para tornar investimentos mais simples e previsíveis | Aumenta previsibilidade para investidores | Atrai investimento externo e facilita inserção em mercados globais |
Fonte: OMC, 2025
No campo da sustentabilidade, a OMC avançou na implementação do Acordo sobre o fim dos Subsídios à Pesca Predatória, com mais de 70 membros aceitando o tratado. Houve também o reforço do “Trade Policy Tools for Climate Action” intensificação do uso de ferramentas de política comercial como instrumento de combate às mudanças climáticas, incluindo para a promoção de tecnologias de baixo carbono como o hidrogênio verde.
Políticas comerciais bem estruturadas podem contribuir de forma significativa para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa e para a adaptação de economias a eventos climáticos extremos. Há, principalmente dez ferramentas de política comercial que os países podem utilizar para alinhar o comércio com os objetivos climáticos e promover uma transição justa para uma economia de baixo carbono: 1) facilitação do comércio, por meio da digitalização de processos aduaneiros e uso de documentos eletrônicos, que pode reduzir significativamente as emissões associadas ao transporte e ao tempo de espera nas fronteiras; 2) compras governamentais sustentáveis, com governos adotando critérios ambientais em licitações para estimular o mercado de tecnologias limpas; 3) regulação técnica, certificações como normas de eficiência energética e certificações ambientais para restringir produtos poluentes, desde que haja harmonização internacional para evitar custos desnecessários ao comércio, e a regulação não seja barreira disfarçada ao livre comércio; 4) serviços ambientais, instalação e manutenção de tecnologias limpas .
No campo tarifário 5), há a necessidade de revisar tarifas de importação que hoje favorecem setores intensivos em carbono, como petróleo e carvão, enquanto impõem barreiras mais altas a produtos e serviços ambientalmente melhores, como equipamentos de energia renovável. 6) Subsídios e incentivos governamentais devem ser reformulados para evitar impactos ambientais negativos, sobretudo em setores como agricultura, pesca e energia fóssil. 7) O financiamento ao comércio climático precisa ser cumprido, o que foi prometido internacionalmente, com apoio a tecnologias limpas, pequenas empresas e às mulheres e em países em desenvolvimento precisa ser desembolsado efetivamente pelos países, e ampliado, estudos mostram que há um hiato de financiamento climático.
Além disso é fundamental o papel do comércio na produção agrícola e para segurança alimentar 8) um dos principais avanços tem sido com relação a reformulação da pesca predatória. diante das mudanças climáticas e é fundamental exigir padrões ressaltando a necessidade de 9) políticas sanitárias e fitossanitárias que protejam a agricultura de pragas e doenças que serão ainda mais exacerbadas pelo aquecimento global. Precisa haver 10) coordenação internacional sobre taxação de carbono e precificação ambiental, para evitar fragmentação regulatória e custos de conformidade desiguais entre os países .
Apesar de avanços, desafios permanecem em áreas como subsídios agrícolas e a falta do funcionamento completo do sistema de solução de controvérsias, mas prosseguiram os esforços para reforçar a transparência e a cooperação regulatória, especialmente no combate a barreiras técnicas ao comércio (TBT) e no cumprimento de padrões sanitários e fitossanitários (SPS).
O Comitê da OMC sobre TBT alcançou avanços significativos, na Declaração Ministerial foi destacada a importância da colaboração e do uso de ferramentas digitais como o ePing e eAgenda para alinhar regulações e evitar fricções comerciais. O Comitê também adotou o 10º Relatório de Revisão Trienal, que delineia mais de 40 recomendações e um plano de trabalho com foco em tecnologias emergentes, incluindo normas de descarbonização.
Foram aprovadas diretrizes voluntárias sobre procedimentos de avaliação da conformidade, como certificações e testes, para garantir que exigências regulatórias não se tornem barreiras ao comércio. Essas diretrizes enfatizam a gestão de riscos, vigilância de mercado e o uso de normas internacionais, com atenção especial às necessidades dos países em desenvolvimento. O Grupo de Trabalho sobre Transparência contribuiu com diretrizes práticas para melhorar a comunicação dos membros sobre novas regulações, assegurando que todos possam comentar propostas antes de sua implementação.
Em 2024, houve um recorde de mais de 4.300 notificações de requisitos técnicos de produtos por membros da OMC, a maioria vinda de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos. O sistema ePing teve alcance global, permitindo a usuários de 193 países, inclusive o Brasil , receber alertas personalizados sobre alterações regulatórias. Além disso, embora o número de preocupações comerciais específicas (STCs) tenha diminuído desde 2021, houve progresso na resolução de 10 dessas disputas em 2024, destacando a importância de resolver conflitos antes que se tornem disputas formais. Em 2024 houve 23 atividades nacionais e regionais de programas de assistência técnica voltados a fortalecer capacidades regulatórias de países em desenvolvimento, assim a OMC reforçou seu compromisso com o desenvolvimento equitativo no comércio global.
Exige atenção urgente o momento atual, de policrises globais (mudanças climáticas, perda de biodiversidade/desertificação e poluição), marcado por tensões comerciais crescentes, sobretudo entre Estados Unidos e China , cascateando em fragmentações geopolíticas. Um conflito tarifário entre potências está previsto para causar uma retração de algo em torno de 80% no comércio bilateral o que significa uma perda de quase 7% do PIB global.
Na era do descontentamento, o aumento do protecionismo têm causado uma desaceleração persistente no crescimento econômico, especialmente em países em desenvolvimento que dependem de exportações industriais como estratégia de desenvolvimento. Essa ruptura compromete a previsibilidade dos fluxos comerciais, aumenta os custos logísticos, reduz a transferência de tecnologia e acirra desigualdades entre países centrais e periféricos. Além disso, a desindustrialização, a precarização dos empregos e o enfraquecimento da cooperação multilateral tornam as economias mais vulneráveis a choques externos.
A Diretora Geral Okonjo-Iweala enxerga uma oportunidade dentro da crise: a chance de reformar a OMC para torná-la mais eficaz e adaptada a esses novos tempos. Reformar para atender às três funções centrais da OMC: monitoramento e transparência, negociação e solução de controvérsias. Com o orçamento anual modesto de 205 milhões de francos suíços, a organização é bem eficiente, sustenta regras que garantem a fluidez de cerca de US$ 18 trilhões em comércio global, com base no princípio da Nação Mais Favorecida (MFN).
Mesmo tendo o sistema de apelação do mecanismo de disputas paralisado, 41 casos foram resolvidos ou suspensos desde 2019, superando os 25 que ficaram sem desfecho por falta do Órgão de Apelação, ou seja muito mais bons resultados que maus. Temos que seguir os três Rs como disse Rebea Grynspan: repensar, reformar e ravivar o comercio para poder ter crescimento sustentável sem deixar ninguém para trás
Mas como em Balsac “o sofrimento é o primeiro elemento da instrução; a alma não se reforma sem ele”. As críticas à OMC são inúmeras, mas o futuro do comércio global e da OMC será auspicioso, se os países-membros tiverem coragem e vontade de “fazer a coisa certa” e implementar as reformas necessárias.
REFERÊNCIAS
Autora

Caso KlimaSeniorinnen v. Suíça: a emergência climática e grupos vulnerabilizados




